quarta-feira, 7 de abril de 2010

Sociedade da Grã Ordem Kavernista: Anarquismo ou Tropicalismo?

Mais do que uma lenda, Raul Seixas tornou-se um mito do rock nacional. Após 20 anos de sua morte, o legado musical deixado por ele perpetua principalmente entre os mais jovens. Mestre de cerimônia dos luais brasileiros, seu rock puro e simples, com letras anárquicas e provocativas, despertam nos jovens a sensação de liberdade e rebeldia.

Porém, o que poucos conhecem é que antes de se tornar este célebre artista, Raulzito, como era conhecido, passou alguns anos nos bastidores da musica brasileira, produzindo e compondo canções para artistas da antiga CBS. Algumas, inclusive, viraram sucesso nacional e outras continuam esquecidas nos porões da gravadora.

Como produtor, Seixas era também um artista visionário. Suas produções eram quase sempre inovadoras para época. Resumindo, Raulzito já caminhava à frente do seu tempo e, por isso, nem sempre foi compreendido - o torna um artista ainda mais fascinante.

Em 1971, ano em que foi muito bem sucedido, Raul revelou sua versatilidade compondo e produzindo parcerias admiráveis. A exemplo de Leno, com A vida e Obra de Johnny McCarttney, postado aqui no Blog, e a dupla Tony & Frankie. Ainda neste ano, o músico e produtor também lançou a Sociedade da Grã Ordem Kavernista apresenta Sessão das Dez.


Carregado de lendas, assim como a vida de Raul, este disco é um marco obscuro do rock brasileiro e da carreira do cantor, onde ele experimentou o tropicalismo. Existem muitas histórias sobre a passagem de Raul pela CBS, uma delas é que este mesmo disco foi gravado às escondidas e custou-lhe o emprego quando foi lançado.

O fato é que, tocando com seus companheiros Sergio Sampaio e Edy Star, além da marcante voz de Miriam Batucada, o músico obteve carta branca para produzir este experimento nos estúdios da gravadora, em parceira com Mauro Motta.

Dizem, entretanto, que o SGOK foi censurado, mas o que se percebe é que ele não foi bem aceito pela própria gravadora posteriormente. Verdade ou não, outros discos foram produzidos por ele para a mesma gravadora nos anos que se sucederam.


O disco tem uma fórmula não muito convencional, talvez por este motivo não tenha sido muito bem aceito pelos executivos da gravadora, sendo pouco divulgado. Miscelânea de guitarras distorcidas, efeitos sonoros, vocais divididos e alimentados por uma salada de ritmos brasileiros, este é um disco que faz questão de ser bem nordestino.

Desde inicio percebe-se o Tropicalismo à moda de Raulzito. Quase todas as faixas têm introduções debochadas, frases de duplo sentido - muitas delas não possuem nada a ver com a musica que vem na seqüência. É, realmente, a primeira fase anárquica de Raul Seixas.

É no clima circense que o disco se inicia:
“Respeitável publico, a Sociedade da Grã Ordem Kavernista, pede licença para vos apresentar, o maior espetáculo da terra...”

Na primeira faixa, Êta vida, Raul Seixas e Sérgio Sampaio descrevem o Rio de Janeiro e seus feitiços. Porém, é no refrão que deixam bem claro os seus sentimentos: “Mas não era o que eu queria, o que eu queria mesmo era me mandar”. Bem diferente das letras tropicalistas de Gil, Caetano e sua tropa.

Na seqüência, a música tema do disco, Sessão das dez, feita por Raul Seixas, possui uma introdução maluca, misturada a vocais e metais: “Eu comprei uma televisão, que distração...”. Tire você mesmo a conclusão se isso tem ou não duplo sentido. Sessão das dez é uma seresta declamada por Edy, acompanhado pela “flauttinha matadora”, cavaquinho e pandeiro.

A terceira música do Lado A, Eu vou botar pra ferver, outra composição de Raul, é introduzida por um dialogo entre Sérgio e Raul:
- Ih... rapaz hoje eu vi meu ídolo da juventude!
- Essas coisas já não me assustam mais, as laranjas continuam verdes e ...
- Ih... cara, péra ai, não complica, eu já disse que eu vi meu ídolo da juventude!
- É meu amigo, assim os discos voadores nunca irão pousar.
Em uma mistura de rock com baião e num clima muito auto-astral, suas origens nordestinas não poderiam ficar de fora. Nesta bela interpretação da dupla, é só deixar o disco girar e começar a dançar.

A faixa Eu Acho Graça (Sérgio Sampaio) também segue com as introduções malucas. Desta vez, em meio a uma festa toca o telefone:
- Alô, é Jorginho Maneiro, é verdade que você agora é hippie?
- Pódiscrê.
- Pódiscrê, Pódiscrê, Pódiscrê, Pódiscrê....
Dançante e sem classificação, Sérgio Sampaio canta um samba-rock-baião de guitarras com teclados alucinados como pano de fundo.

Há um hippie em pé no meu portão, no meu portão... é a introdução de Chorinho inconsequente (Sérgio Sampio e Erivaldo Santos), um samba maravilhoso interpretado por Miriam Batucada, inicia e termina com as famosas guitarras abelhudas da época.

Já a música "Quero ir..." é mais um rock-baião composto e interpretado por Raulzito e Sampaio fechando o lado A.

O mais interessante deste disco é que, diferente de todos os outros, o lado A é mais louco que o lado B.

O Lado B começa com a única musica que não foi composta por Raul ou Sérgio Sampaio. Soul Tabarôa (Antônio Carlos e Jocáfi), a voz rouca de Miriam Batucada e os efeitos sonoros são embalados ao som da rabeca, é uma bela versão de uma música dos conterrâneos baianos.

Todo Mundo Está Feliz, uma composição de Sérgio com cara de Raul, são os primeiros registros passeios estelares a bordos de seus discos voadores, esta tem outra engraçadíssima introdução:
- Está no ar? Estamos aqui em plena Cinelândia gravando o programa Brasa Viva, vamos entrevistar um presente... Hei você ai, qual tipo de musica que você prefere, melodiosa ou barulhenta?
- Barulhenta né, bicho! Eu sou jovem!

"Aos trancos e barrancos" um maravilhoso samba produzido, composto e interpretado por Raul, é uma raridade que você só encontra neste disco: "... eu vou descascando a minha vida sujando a avenida com meu sangue de limão...".

Eu não quero dizer nada (Sérgio Sampaio), com uma bela interpretação de Edy, destaca-se pelos teclados psicodélicos.

Dr. Pacheco (Raul Seixas) – particularmente, a música que mais gosto do disco – é uma canção que passaria tranquilamente por uma produção de sua carreira solo, porém num clima bem psicodélico.
"Lá vai nosso herói, Dr. Pacheco,
Com sua careca inconfundível, a gravata e o paletó
Misturando-se as pessoas da vida
La vai Dr. Pacheco o herói dos dias úteis
Misturando-se as pessoas que o fizeram."

Finale é a faixa de despedida do disco, que termina o circo com um belo som de descarga. Afinal, até mesmo de uma bela feijoada, você se despede pela descarga.

p.s. Para quem quiser conhecer um pouco da tragetória de Raul Seixas como produtor, o O Circo Circuito prestou um bela homenagem no programa Produz Raul!!!

entre e confira!







Programa Circo Circuito

A Luta Continua!

6 comentários:

  1. Muito bom o texto... adoro esse disco.
    Fernando

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  2. Só uma coisinhas para você consertar no seu texto:


    - Está no ar? Estamos aqui em plena Cinelândia gravando o programa Brasa Viva, vamos entrevistar um presente...(aqui não é "presente" e sim "transeunte")

    ...Hei você ai, qual tipo de musica que você prefere, melodiosa ou barulhenta?
    - Barulhenta né, bicho! (<== Não há esse "bicho") Eu sou jovem!

    Fora isso, está ótimo seu texto.

    Leon89

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  3. Sgt Peppers tupiniquin! belo texto.

    Fernanda/Curitiba-PR

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  4. Este disco inteiro para mim é uma obra prima. A d o r o!

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